Essas questões alimentaram a curadoria da Temporada 2026 do Theatro Municipal de São Paulo, que mergulha de forma poética no pensamento sobre lastros e rastros – aquilo que, no limite, representaria nossa essência. Aqui, refletimos sobre o que nos define como espécie, sobre a arte que produzimos e o simbólico que nos conecta em nossa humanidade. Se na temporada de 2025 buscamos compreender como “mundos diversos podem coabitar” e como “aproveitar nossas assimetrias complementares”, agora nos voltamos para o que permanece quando tudo o mais desaparece.
Ao longo da história, filósofos já se debruçaram sobre essa busca. Nietzsche, em sua obra Assim Falou Zaratustra, nos convidou a reconhecer o poder da criação humana mesmo na dor, afirmando que “é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela dançante”. Walter Benjamin, ao pensar sobre os “escombros da história”, sugere na tese Sobre o Conceito de História que o passado não é apenas ruína, mas um campo aberto para novas interpretações e sentidos criativos.
Qual é, portanto, o testemunho que nossa humanidade legará ao futuro? Será a música, na sua capacidade universal de transcender palavras e contextos? Será a dança, com sua conexão direta com o corpo e a terra? Ou será a permanência incansável do ato criativo, que resiste aos fins e reconstrói mundos mesmo após sua destruição? A Temporada 2026 é um convite para investigar esses vestígios – explorando não apenas o que deixamos, mas também quem somos por meio da arte. A cada cena e som, o Theatro Municipal busca provocar: o que nos torna humanos? E, diante da iminência de qualquer fim, onde encontramos o essencial?
Visamos explorar tais vestígios, para questionar nossa essência e celebrar a resiliência do espírito humano. Que cada espetáculo, cada concerto, cada apresentação nos inspire a refletir sobre o nosso legado e sobre o que realmente importa. Enquanto a temporada de 2025 buscou consolidar mudanças e tornar a programação do Theatro naturalmente diversa, multifacetada, inventiva, colorida e plural, a Temporada 2026 se propõe a aprofundar essa jornada, convidando o público a uma reflexão profunda sobre a nossa condição humana e sobre o que deixaremos para as futuras gerações.
Desejamos que esta temporada seja um farol de esperança e inspiração, um lembrete de que, mesmo diante do fim, a arte e a cultura permanecem como testemunhos da nossa capacidade de transcender, de criar e de amar. Que essa temporada amplie o horizonte reflexivo do público e reforce a potência imensurável da arte em responder – ou talvez criar – as perguntas sem-fim sobre a condição humana.
Andrea Caruso Saturnino
Superintendente geral do Complexo Theatro Municipal
Alessandra Costa
Diretora executiva da Sustenidos